2 de março de 2010

Paula

Paula, obrigado pelas tuas palavras  e pelas outras que me fizeste chegar és querida para mim desde que nasceste e hás-de ser até ao fim.

Consegues compreender como eu estou longe de toda e qualquer divindade? Consegues compreender como eu não compreendo?

O meu espírito está em paz, não tenho remorsos, nem pesos na consciência. Não sou perfeito, nem "Demasiado Humano" como dizia Nietzsche, sou só humano, com todo o carrego de coisas boas e más que cada humano carrega, embora uns mais de uma coisa outros mais de outra.

Contrariamente ao que tu dizes, já não é por mim que resisto a cada tortura diária, já não empunho armas nem uso armaduras, já fiz as pazes comigo há muito tempo

Os meus desejos são mínimos, os objectivos acabaram, a força esvai-se lentamente, como nunca pensei que acontecesse. Pensei sempre que o meu fim seria tão pacífico como um fim de semana sem nada para fazer, nem iria dar por isso, nem chatear ninguém.
Vê o que é que se passa, tudo ao contrário.

Uma vez falei aqui de viagens ao Vítor, a minha viagem já terminou, só a estou a prolongar porque ,para além de "matematicamente" ser possível, ainda há pessoas (como tu) que se interessam por mim, não que lhes faça falta, ninguém é insubstituível, mas preocupam-se e algumas sofrem comigo.

Ora eu nunca fui de trair, não é no fim que o irei fazer, só que, uma vez mais Nietzsche, eu sou só humano e os humanos têm limites. Só para que saibas há mais de dois meses que os meus limites foram, l a r g a m e n t e, ultrapassados. por mim não tinha começado sequer este segundo ciclo de quimio, tinha ficado como estava e, ou me tornava um vegetal dependente (fora de questão) ou abreviava o caminho da viagem.

Mais uma vez escolhi o que as outras pessoas, importantes para mim, quiseram, só porque não gosto de dizer NÂO.

Assim, quando me falam em Deus, eu fico a pensar e repensar até a tampa da cabeça estalar: porquê?
E o pior é que não encontro razões.Fiz milhares de asneiras (como os humanos) mas também fiz milhares de coisas boas, dá para por nos pratos da balança? E aqui tomamos em linha de conta só a quantidade ou também a qualidade?

Prometi,e vou cumprir, acabar mais este ciclo, faltam mais à volta de 78 dias, sem grandes queixas, sem resmungos, sem azedume, sem cobrança, depois disso ninguém mais vai escolher por mim. Esta também prometo.

Não te esqueças: lá, onde os cavalos velhos descansam antes de irem em carreira para a fábrica de cola, não se vislumbra uma folha verde, nem na terra nem nas árvores, e até a sombra é abrasadora, a água há muito que secou no poço velho de areia.

2 comentários:

  1. "Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe." (Oscar Wilde)

    "Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos. "

    Saint-Exupéry

    Deixaste as entrelinhas, deixaste
    que as frases ficassem a pairar para cada um entender como quisesse. Deixaste finalmente que caisse a força que teimas em tentar mostrar para aqueles que te são queridos. Primo, é humanamente impossível mostrar clareza, tranquilidade, fazer de "palhaço" (usando as tuas palavras) para tapar o sol com a peneira, quando se sofre como tu estás a sofrer?

    Sentir raiva é um sentimento natural, tão natural como amar, perdoar... não nos faz bem? Não. Mas é um institnto natural.

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  2. " Consegues compreender como eu estou longe de toda e qualquer divindade? Consegues compreender como eu não compreendo?"

    Sim, compreendo, com uma revolta e raiva que transborda tudo aquilo que vai para além da minha humilde imaginação.

    "Assim, quando me falam em Deus, eu fico a pensar e repensar até a tampa da cabeça estalar: porquê?
    E o pior é que não encontro razões.Fiz milhares de asneiras (como os humanos) mas também fiz milhares de coisas boas, dá para por nos pratos da balança? E aqui tomamos em linha de conta só a quantidade ou também a qualidade?"

    Por isso mesmo resolvi te copiar o poema de Álvaro de Campos que ilustra bem aquilo que podemos sentir. O Menino Jesus mora dentro de ti, é o teu Menino Jesus, o menino que não tinha brinquedos. E tudo neste poema é dito como se fosse feito a pensar em ti e no teu menino.

    Beijos
    PB

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