14 de janeiro de 2010

O menino que não tinha brinquedos III

Claro que nunca mais me larguei a mão, assim estou sempre com o menino que não tinha brinquedos, fazemo-nos companhia, entendemo-nos, é bom.

Hoje, que sabia que ele se preparava para mais uma das suas expedições, achei-o estranho. A sua mão estava um pouco mais fria do que o habitual e era estranho o seu suave sorriso só num canto da boca, como se fosse um sorriso desgostoso, um sorriso muito dorido, muito sofrido.

No seu coração não me pareceu sentir o cavalgar do mesmo corcel em galope como se não houvesse meta a atingir, pareceu-me um pouco mais lento, como se cansado, ou desiludido (como se desilude um coração que já sentiu tudo?).

Não era o seu andar pisando forte na calçada, mas antes um caminhar como se de um sussuro se tratasse, tentando não acordar as pedras.

Até o seu gesto com a mão definindo o abstracto me pareceu mais curto, como se já não almejasse o infinito mas se contentasse com a lonjura do seu olhar.

Mas para onde olhava o meu menino? Não vislumbrei sinais exteriores de algo no horizonte, nada que aqueles olhos fixassem.

De repente assustei-me. Dei-me conta que ele estava a olhar para dentro de si e as amarguras estavam a levar vantagem ao seu querer continuar a viagem.

Fiquei com medo. Prometi-lhe um milhão de novas estrelas cada qual com o seu sorriso, para lhe alegrarem o firmamento, sorriu um pouco mais com o mesmo sorriso desgostoso, sabendo que eu leria nele a minha loucura ou que não tinha direito a mais estrelas no céu.

Tal como de repente me assustei, assim de repente me acalmei, quando, por fim reparei no resto do sorriso dele brilhando nos meus olhos com a promessa de que amanhã será outro dia.

Não posso deixar ir embora o meu menino que não tinha brinquedos, não quero que vá ainda, tenho muitas coisas para compartilhar com ele, coisas que não posso compartilhar com mais ninguém, pois as suas feridas que não saram são as minhas também, os seus amores são igualmente os meus e são apenas nossos os brinquedos que nunca tivemos e aqueles que apenas nós soubemos inventar.

Não, não pode ir assim, com toda a facilidade, ele, para quem quase tudo foi difícil, vai ter que lutar novamente para ter de caír novamente, uma vez que essa parece ser a nossa sina.

1 comentário:

  1. Gosto da tua forma de escrever! É quase tão boa quanto a minha!

    É...nesta família são todos líricos, mas uns têm queda e outros não têm onde cair...

    Tenho pensado no menino que não tinha brinquedos... e sabes que mais? Mais vale um menino que não tem brinquedos mas sabe brincar do que o inverso.

    Brincar é uma forma de estar na vida como outra qualquer: há quem seja zangado por natureza, outros introvertidos,a.s.o.

    Ás vezes quando leio o teu blog tenho vontade de recomeçar a escrever, mas eu zanguei-me com a escrita. Rasguei tudo o que tinha escrito até hoje, como se porventura conseguisse apagar o passado. Pura ilusão.... os poemas ficaram cá dentro e o resto prevaleceu...

    Agiora não posso escrever mais que tenho a tua irmâ a agarra-me uma das mâos para eu não teclar.

    Beijos grandes da tua prima.

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